Inicio > Psicología > A Neuropsicologia e o comportamento desviante

A Neuropsicologia e o comportamento desviante

A Neuropsicologia e o comportamento desviante

Resumo:

Neste artigo procura-se desenvolver uma abordagem teórica, porém com um grande pendor de aplicabilidade prática no que concerne à compreensão do papel da neuropsicologia na elucidação dos determinantes do comportamento desviante humano.

Abordar-se-ão também aspectos a serem considerados na avaliação neuropsicológica e na avaliação da simulação psicológica forense.

Apresentam-se vários modelos de guiões para avaliação forense em psicologia e saúde mental.

A Neuropsicologia e o comportamento desviante

Luis Alberto Coelho Rebelo Maia – Neuropsicólogo Clínico & Forense

Professor Auxiliar da Universidade da Beira Interior (Portugal); Pós Graduado em Ciências Médico-Legais (ICBAS); Licenciado em Psicologia Clínica (Universidade do Minho); Mestre em Neurociências (Faculdade de Medicina de Lisboa); Grau de Salamanca em Neuropsicologia Clínica (Universidade de Salamanca – Espanha); Grau de Suficiência Investigadora (Universidade de Salamanca – Espanha); Doutorado em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de Salamanca (Espanha)

Universidade da Beira Interior – Portugal, Professor PhD;

Palavras – chaves: psicologia forense, simulação, neuropsicologia, comportamento desviante.

Introdução

Alexander Romanovich Luria (1902-1977) foi talvez quem mais terá contribuído para o desenvolvimento daquilo a que é hoje considerado como a Neuropsicologia Clínica, assente essencialmente num conhecimento minucioso acerca da neuroanatomia funcional, bem como da semiologia das disfunções / lesões cerebrais.

O interesse pela possibilidade de, através de um modelo avaliativo adequado, classificar (medir, mensurar) a função (ou disfunção) de um conjunto de funções potencialmente localizados numa determinada área cerebral tem sido adoptado ao longo da história do desenvolvimento da psicologia e da neuropsicologia em particular (Cf. O trabalho de Luria, 1976, The Neuropsychology of Memory, como uma claro exemplo do referido).

A questão central aqui levantada poderia ser: será que a análise do funcionamento (performance) neuropsicológico de um determinado sujeito mensurável através do seu desempenho num conjunto mais ou menos estandardizado de testes permite estabelecer inferências acerca do seu funcionamento em outras situações a que o indivíduo se sujeite? Mais do que isso, será que a análise dos seus resultados em testes neuropsicológicos permite estabelecer inferências acerca de questões importantes do funcionamento do sujeito em tarefas do dia-a-dia? Ou mais ainda, e aqui reside o maior interesse para o assunto em questão deste livro, será que a neuropsicologia pode ajudar consistentemente na avaliação pericial de indivíduos suspeitos ou acusados de terem cometido crimes? E se pode ajudar, qual a natureza dessa ajuda?

O cérebro como um sistema funcional

Segundo Luria (1973) diversos autores têm defendido a teoria da localização de funções cerebrais a partir da verificação que a estimulação ou exclusão de determinadas áreas corticais provoca sempre alterações em conjuntos de acções ou tarefas específicas que se acredita estarem sob acção directa de uma dada área cerebral. Todavia, Luria defende que a utilização de tal termo (FUNÇÂO) deve ser compreendida como “a função de um conjunto tecidular particular” e que tal utilização “é incontestavelmente lógica”. Assim, para este autor, seria natural considerar que a secreção da bílis é uma função do fígado e que a secreção da insulina é uma função do pâncreas. Da mesma forma seria natural compreender a percepção visual (por exemplo, ver na escuridão da noite, e ao longe, um feixe de luz emitido por uma lanterna) como uma função dos elementos retinianos fotossensíveis bem como de neurónios especializados do córtex occipital, ou ainda a sensação de frio (tonalidade térmica) como função da respectiva área somatossensitiva na circunvalação pós-central (ou pós-rolândica).

Todavia tais exemplos não esgotam todas as possibilidades de utilização do termo função. No seu importantíssimo livro The Working Brain, Luria (1973) apresenta o seguinte exemplo relativamente à reflexão sob o termo função:

“Quando se fala na função da digestão, tal função (a função digestiva) não pode ser interpretada como a função de um único tecido particular: este processo exige a interacção de vários acontecimentos, tais como, transporte dos alimentos até ao estômago, o processamento dos mesmos alimentos sob a influência do suco gástrico, a participação das secreções do fígado e do pâncreas, o acto de contracção das paredes do estômago e intestino, a propulsão do material para ser assimilado ao longo do trato digestivo e, finalmente, a absorção dos componentes processados a partir da comida pelas paredes intestinais”.

Ao contrário das funções primária identificadas no funcionamento humano, tais como a visão, a sensibilidade táctil, térmica, etc., os processos subjacentes ao processo da digestão não podem ser identificados como sendo a função de uma única área cerebral, mas como um “sistema funcional completo, corporizando vários componentes pertencentes a diferentes níveis dos sistemas secretor, motor e nervoso” (Luria, 1973, pp19-42).

Tal “sistema funcional” caracterizar-se-ia essencialmente por dois aspectos centrais: a complexidade das suas estruturas, e a versatilidade adaptativa das partes que o compõem.

Tome-se o exemplo da respiração apresentado por Luria(1973, pp 19-42):

“O objectivo principal de todo este processo é a restauração da homeostasia, e o resultado final esperado é o transporte de oxigéneo para a corrente sanguínea. O resultado final esperado é assegurado com um carácter constante, ou seja, este tipo de sistema funcional apresenta um carácter de invariabilidade quanto ao assegurar do resultado final, podendo contudo apresentar variabilidade na forma como alcança esse mesmo objectivo (…)

Se algo produzir a paragem da acção do principal grupo de músculos na respiração (diafragma) os músculos inter-costais serão chamados a intervir, mas se por qualquer motivo estes apresentarem um mau funcionamento, os músculos da laringe permitirão a aspiração de ar, que posteriormente alcançará os alvéolos pulmonares, por uma via completamente diferente (…)