12 O corpo procura arrefecer através da transpiração: as veias e os capilares aproximam-se da superfície da pele
Suor excessivo, rubor
Reacções fisiológicas da ansiedade e seus sintomas - Traduzido e adaptado de Powell, 2000, p.6
O medo, tal como a ansiedade, é um mecanismo de sobrevivência e sinal de alerta (Kaplan et al., 1997; Habib, 2003). No entanto, surge face a objectos ou situações específicas e concretas, quando a pessoa está diante delas, enquanto que a ansiedade pode ser activada tanto por conflitos cognitivos como por situações potencialmente perigosas, muitas vezes difíceis de relacionar com estímulos concretos (Davidoff, 1983; Serra, 1989; Simmons & Daw, 2003). Kaplan, Sadock & Grebb (1997, p. 545) referem mesmo que «o medo (...) distingue-se da ansiedade por ser uma resposta a uma ameaça conhecida, externa, definida ou de origem não-conflituosa. A ansiedade é uma resposta a uma ameaça desconhecida, interna, vaga ou de origem conflituosa». Apesar desta distinção, o medo e a ansiedade podem surgir juntos, como acontece por exemplo, nas perturbações de pânico. O Homem, pela sua natureza, tem a capacidade de antecipar a ansiedade ainda que na ausência dos respectivos estímulos, e este é precisamente um aspecto que se vai converter em parte do ciclo da ansiedade, tornando a situação mais complexa, não só quanto à sua instalação, como também à sua manutenção e tratamento.
Para Simmons & Daw (2003, p. 82) o stress «represents the external and/or internal forces acting upon an individual. Anxiety, on the other hand, is a response to those forces». Este resulta então da interacção de um conjunto de factores químicos, físicos e emocionais que provocam uma tensão corporal ou psicológica, e que podem ser despoletadores de doenças, nomeadamente de perturbações de ansiedade que Sybert (2005), refere manifestar-se por sintomas como taquicardia, insónias, fadiga, sudorese, dilatação pupilar, entre outros.
Apesar do carácter funcional da ansiedade apresentado anteriormente, esta pode tornar-se patológica quando inadequadamente activada (Kaplan et al., 1997; Payette, 2001) nas mais diversas situações, interferindo com o funcionamento do indivíduo (somático, emocional, comportamental). Quando tal ocorre diagnostica-se uma Perturbação de Ansiedade (Powell, 2000; Payette, 2001; Sacadura, 2002; O’Brien, 2002). Ou seja, a ansiedade torna-se patológica quando «desproporcionada em relação à intensidade e qualidade das situações que a despoletam e ao mesmo tempo de ocorrência, tornando o indivíduo disfuncionante» (Teixeira, 1999). Tal ocorre quando o sujeito avalia um(a) objecto e/ou situação como ameaçador(a) nos vários domínios da sua vida e considera não ter recursos para lidar com a mesma (Meichenbaum, 1996). Cordioli (1998) e Baptista (2000) referem que esta avaliação normalmente não é feita de forma realista, mas por intermédio de distorções cognitivas. Assim, o que importa ter em conta é a quantidade e tipologia idiossincrática da ansiedade que a pessoa sente e perceber-se se esta corresponde ao perigo real que a pessoa corre nessa situação (Powell, 2000; Simmons & Daw, 2003).
Kaplan et al. (1997), Lang (1968; In Batista, 2000), Powell (2000) e Simmons & Daw (2003) agrupam as características da ansiedade (a ter em consideração) em quatro tipologias: a) sensações fisiológicas, tais como palpitações, sudorese, respiração irregular, dores abdominais, tremores, vontade de urinar; b) comportamento face à ansiedade, caracterizado por padrões motores ou inibições selectivas como inquietação e descontrolo motor, fuga, evitamento, passividade, bloqueio completo de acção; c) sentimentos desagradáveis, como o nervosismo, tensão, irritação, desespero ou depressão (Cf. Cunha, 1996; Dias, 2003 - dificultando a vida social do indivíduo - Kanfer & Phillips, 1970; In Serra, 1989); e d) pensamentos ou cognições relacionadas com a situação que provoca ansiedade, como a própria consciência de estar nervoso ou amedrontado. Kaplan, Sadock & Grebb (1997) referem que esta última dimensão tende a provocar confusão e distorções perceptivas, quer acerca das pessoas, quer do significado das experiências, ou ainda da orientação espacio-temporal. Estas distorções afectam as aprendizagens, a capacidade de concentração e a memória, prejudicando a capacidade de fazer associações funcionais.
A ansiedade mantém-se assim essencialmente devido aos comportamentos de fuga ou evitamento e às distorções cognitivas (Powell, 2000), verificando-se um ciclo de díficil percepção para o sujeito. Por um lado a pessoa possui pensamentos e crenças disfuncionais (muitas vezes inconscientes) acerca do que pode acontecer face à situação temida, o que a leva a antecipar a ansiedade. Por outro lado, inicía comportamentos de fuga, evitamento ou mesmo a realização de comportamentos de segurança face a essa situação. Tal impossibilita a pessoa de se aperceber que pode de facto reagir face à ansiedade e constatar que os seus receios sejam exagerados ou irreais. Desta forma, as suas crenças irracionais mantêm-se, pois não são criadas condições para verificar que estas não apresentam sustentação lógica (Powell, 2000).
Um aspecto importante é que as pessoas com uma perturbação da ansiedade tendem a seleccionar determinadas experiências e objectos e a ignorar outros (atenção selectiva) por forma a confirmar os seus receios (Kaplan et al., 1997). Outro aspecto de igual importância é que a ansiedade provoca também uma redução na auto-confiança do paciente, porque dificulta a realização de tarefas que anteriormente eram fáceis para a pessoa. A este respeito, Powell (2000, p.4) refere que «it is easy to get into a vicious circle when, because we feel less confidence we avoid a situation, and because we avoid, we feel less confident».
As perturbações da ansiedade são assim caracterizadas por «a group of conditions that are characterized by a sense of foreboding or impending doom» (Payette, 2001, p.23). Normalmente estão associadas a uma redução na qualidade de vida das pessoas, dificuldades funcionais (e.g. memória, atenção), recurso frequente aos sistemas de saúde, e dificuldades no campo profissional, entre outras (Payette, 2001).
Com base no DSM-IV-TR (APA, 2004), no quadro II faremos uma breve descrição acerca de cada um dos tipos de perturbação da ansiedade:
Quadro II
Ataque de Pânico: inicia-se subitamente uma elevada apreensão ou medo normalmente associados a sensação de catástrofe. Os sintomas que o acompanham são a falta de ar, palpitação, desconforto ou dor no peito, sensações de sufoco e medo de “enlouquecer” ou de perder o controlo.
Agorafobia: é ansiedade em locais cuja fuga possa ser difícil ou embaraçosa, ou onde sinta que pode não obter auxílio se sentir sintomatologia que mimetize um ataque de pânico.
Perturbação de Pânico sem Agorafobia: ataques de pânico sobre os quais há uma preocupação persistente, ocorrendo os mesmos de modo inesperado e recorrente.
Perturbação de Pânico com Agorafobia: composta por ataques de pânico inesperados e recorrentes e agorafobia.
Agorafobia sem história de Perturbação de Pânico: existência de agorafobia e sintomas semelhantes aos ataques de pânico, sem serem de facto sintomas de ataques de pânico.
Fobia Específica: caracterizada por ansiedade perante a exposição a uma situação ou objecto que é temido, o que normalmente leva ao evitamento.
Fobia Social: ansiedade clinicamente significativa perante a exposição a determinadas situações sociais que levam frequentemente a comportamentos de evitamento.
Perturbação Obsessivo-Compulsiva: caracterizada pela presença de obsessões que originam ansiedade e por compulsões como forma de neutralizar a ansiedade.
Perturbação de Stress Pós-Traumático: definida pela experiência de um acontecimento passado, excessivamente traumático, que se faz acompanhar de um aumento da activação, bem como de evitamento a estímulos associados com o mesmo.
Perturbação Aguda de Stress: caracterizada por sintomas semelhantes aos da perturbação precedente, que surge imediatamente após um acontecimento extremamente traumático.
Perturbação de Ansiedade Generalizada: caracterizada por ansiedade excessiva por no mínimo seis meses.
Perturbação de Ansiedade secundária a um Estado Físico Geral: apresenta sintomas de ansiedade como sejam, o resultado fisiológico directo de um estado físico geral.
Perturbação da Ansiedade Induzida por Substâncias: caracterizada por sintomas de ansiedade, como resultado fisiológico directo do abuso de drogas, medicamentos ou exposição a substâncias tóxicas.
Perturbação de Ansiedade sem outra Especificação: destina-se a codificar as perturbações de ansiedade que não preenchem os critérios de diagnóstico de nenhuma das anteriores perturbações da ansiedade.
Breve descrição das perturbações da ansiedade - Adaptado de APA, 2004, p. 429-430; Cf. Frances & Ross, 1999
Todas estas perturbações, no entanto, surgem frequentemente associadas a outras, principalmente com a depressão (Kaplan et al., 1997), e é também comum que uma mesma pessoa desenvolva mais do que uma perturbação da ansiedade simultaneamente (Payette, 2001).
De acordo com o Mental Health Supplement of the Ontario Health Survey (Payette, 2001), os principais factores de risco para o desenvolvimento de perturbações da ansiedade são a experiência de abuso físico ou psicológico severo, existência de perturbação mental nos pais, baixo rendimento escolar ou profissional e história de ansiedade patológica na família (ver Quadro III).
Os factores genéticos são ainda apontados por inúmeros estudos (Kaplan et al., 1997). No entanto, mais do que uma determinação, a expressão da resposta ansiogénica depende de factores variados, como as capacidades de coping da pessoa, e a sua rede de apoio, entre outros (Simmons & Daw, 2003). Tradicionalmente dois dos principais factores envolvidos no surgimento da ansiedade patológica assentam na quantidade de stress que a pessoa sente, e no tipo de pessoa que é, relativamente ao que Powell (2000, p.5) denomina como «sensitive emotional nervous system»
Questões Relacionadas com o Tratamento da Ansiedade Patológica
O tratamento da ansiedade patológica está relacionado com a resposta a três questões fundamentais (Serra, 1989; Simmons & Daw, 2003): a) porque surge, b) porque se mantém e, c) como se pode reduzir. Importa também ter em conta variáveis psicossociais, bem como questões culturais e princípios éticos a ter em consideração na prática terapêutica.