Protocolo Pratico de Intervenção para as Perturbações de Ansiedade
Autor: Luis Maia, PhD | Publicado:  28/08/2012 | | |
Protocolo Pratico de Intervenção para as Perturbações de Ansiedade .3

Porque surge a ansiedade patológica?

Para dar resposta a esta questão será abordado o condicionamento clássico (e.g. quando a pessoa experiencia um acontecimento traumático para si, que lhe despoletou ansiedade, por exemplo um acidente de viação - Simmons & Daw, 2003); a teoria da aprendizagem social (imitação / modelagem: quando a pessoa aprende pela observação e modelagem de outros que determinada situação ou objecto provoca ansiedade – acontece frequentemente com as crianças adquirirem por modelagem, as perturbações de ansiedade dos pais ou adultos significativos) e a teoria cognitiva como modelos explicativos da aquisição e manutenção da ansiedade.

O condicionamento clássico surgiu como sendo a primeira explicação da aquisição da ansiedade, tendo sido desenvolvida por Watson e Rayner em 1920. Segundo este modelo, a ansiedade é uma reposta condicionada (1) a determinados estímulos ambientais, ou seja, adquirida por condicionamento clássico como resultado da história de desenvolvimento do sujeito (Kaplan et al., 1997). Além disso, a resposta de ansiedade pode ser generalizada para outras situações similares e, uma vez que pode ser aprendida também pode ser desaprendida por um mecanismo de descondicionamento (Serra, 1989).

Contudo, uma vez que nem todos os estímulos conduzem a respostas de medo, e a sensibilidade dos indivíduos varia de forma idiossincrática, surge como possibilidade etiológica alternativa o facto de ser possível a aquisição de respostas emocionais, mediante a observação e imitação de modelos ou seja, através da aprendizagem vicariante, o que explica alguns casos de respostas de ansiedade (Kaplan et al., 1997; Serra, 1989; Odriozola, 2001).

Rachman (1978; In Serra, 1989) propôs também uma hipótese explicativa para o desenvolvimento da ansiedade, a hipótese das três vias. Este refere que a ansiedade é desencadeada com base nas interacções respondentes, na modelação e na transmissão de informação e/ou instrução. O autor acrescenta ainda outros factores importantes a ter em conta, como sejam a falta de controlo, de informação, e a dificuldade de predição adequada.

No que concerne às conceptualizações cognitivas considera-se que «os acontecimentos mentais são os mediadores que intervêm entre reconhecer um indício como aversivo e responder perante ele com ansiedade» (Delprato & McGlynn, 1984; cit. in Serra, 1989, p. 17). Neste sentido, postula-se a existência de padrões de pensamento distorcidos que são anteriores aos comportamentos inadaptados, considerando-se que a ansiedade resulta não dos eventos per se mas da interpretação feita pelo indivíduo acerca dos mesmos (O’Brien, Kennedy, Ballar, 2002). Estas interpretações relacionam-se com a percepção de perigo, tanto ao nível físico como psicológico, que habitualmente é superestimado por estes indivíduos. Tal facto conduz à activação do “programa de ansiedade” - activação autónoma, inibição comportamental e atenção selectiva a possíveis fontes de perigo (Clark, 1997).

(1) Associação através da qual um acontecimento neutro se associa a um estímulo que origina ansiedade e este passa a produzir a mesma por si só (Odriozola, 2001).

Porque se mantém a ansiedade patológica

Gambrill (1977; In Serra, 1989) relata cinco aspectos que contribuem para a manutenção da ansiedade:

Quadro IV

i. história de condicionamento do indivíduo
ii. deficiências reais de comportamento
iii. atenção excessiva a determinado comportamento de ansiedade, realizado pelo próprio ou por alguém significativo
iv. ganhos secundários
v. falta de expectativas de eficácia
falta de motivação para o tratamento (devido a ganhos secundários, fracasso em intervenções terapêuticas anteriores, entre outros)

Factores que contribuem para a manutenção da ansiedade - Adaptado de Gambrill, 1977, In Serra, 1989, p. 18-19

Um outro aspecto fundamental na manutenção da ansiedade é incontestavelmente a existência de reforço positivo e reforço negativo (Odriozola, 2001) nos mecanismos subjacentes ao despoletar, desenvolvimento e enraizamento da problemática ansiogénica.

Como se pode reduzir a ansiedade patológica

Neste âmbito saliente-se os esforços pioneiros de Wolpe, que em 1958 conceptualizou o princípio da inibição recíproca: «se os estímulos evocadores de ansiedade puderem ser associados com respostas que levem a uma supressão parcial ou completa da mesma, ficará enfraquecida a ligação entre esses estímulos e as respostas de ansiedade» (Kazdin, 1982; cit. in Serra, 1989, p. 19). Mais tarde, este passou a recorrer ao relaxamento como resposta redutora da ansiedade e, conjugando-o com a exposição a situações ansiógenas, deu origem ao processo de dessensibilização sistemática.

Serra (1989) menciona que os processos destinados à eliminação da ansiedade variam de acordo com o nível do estímulo: exposição gradual ou directa, o modo de representação: real ou imaginada, a presença ou ausência de métodos para identificar acontecimentos específicos despoletadores de ansiedade, e o treino de aptidões para lidar com o ambiente natural.

No que respeita às técnicas propriamente ditas, Marks (1978; In Serra, 1989) salienta o papel crucial da exposição, referindo que todos os métodos procuram realizar uma ou outra forma de exposição, variando apenas o modo como a levam a cabo. Esta tem como fim a extinção ou habituação em relação aos estímulos desencadeadores de ansiedade (imaginação ou in vivo).

Em síntese, Isaac Marks (1978; In Serra, 1989) defende uma perspectiva global acerca do tratamento das perturbações de ansiedade. Saliente-se que o paciente necessita de estar motivado e ser capaz de cumprir com as acções terapêuticas, fundamentais para a sua recuperação.

Variáveis psicossociais

Um outro aspecto a que o terapeuta deve estar atento, não só relativamente aos pacientes com perturbações da ansiedade, mas a todos os com que se deparar, são as variáveis psicossociais. Estas podem de facto não só ter estado na origem e /ou manutenção dos problemas da pessoa, mas serem importantes para o tratamento. Entre elas destacam-se a condição laboral, recursos financeiros e sociais, aspectos culturais, orientação sexual, consumo de álcool e/ou abuso de substâncias, situação familiar, entre outras. A este respeito, Neto (In Cordioli, 1998) chama a atenção para os seguintes problemas passíveis de verificação em pacientes com perturbações de ansiedade (ver quadro V):

Assim, e segundo Neto (In Cordioli, 1998), a terapia cognitivo-comportamental deve passar também por dar resposta a problemas como os atrás descritos, promovendo a auto-estima, o treino de auto-afirmação, o treino de habilidades sociais e o aprofundamento das dificuldades de relacionamento.

Questões culturais

Howard (2001) refere que a cultura e a etnicidade desempenham um forte papel na avaliação, diagnóstico e tratamento da ansiedade. De facto, «People from different cultures may explain their experiences differently» (National Health Committee, 1998, p.20). Por isso é importante que o terapeuta conheça minimamente não só a cultura do paciente que tem à sua frente, como também a sua religião, entre outros aspectos pertinentes. No caso de não possuir este conhecimento, pode procurar informação por exemplo, junto de familiares do paciente, organizações religiosas ou agentes comunitários. Nunca será demais enfatizar a importância de manter sempre a confidencialidade ao recorrer a fontes de informação, e de respeitar sempre as crenças e valores do paciente (National Health Committee, 1998).

Princípios éticos

As questões éticas têm vindo a ser alvo de uma maior reflexão, nomeadamente dedicada ao aumento de complexidade dos problemas que têm vindo a surgir (Cordioli, 1998)

Para Koocher (1995) o princípio ético fundamental que rege a prática da psicoterapia é o já apontado há milénios atrás por Hipócrates: “Primeiro, não magoar”.

No caso das perturbações da ansiedade, é importante ter o cuidado de, ao usar técnicas comportamentais, fazê-lo com o consentimento do paciente (o que implica dar conhecimento acerca delas, obtendo o respectivo consentimento informado) e evitando técnicas aversivas logo de início, de modo a que a sua aplicação seja o menos danosa possível para o paciente (Koocher, 1995).

Em qualquer âmbito da Psicologia, é necessário que todos os profissionais apresentem um comportamento eticamente correcto (vêr Quadro VI).


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